Afinal, o bônus pago pelas empresas aos empregados tem caráter salarial ou indenizatório?
Uma pergunta recorrente que recebemos hoje em dia dos trabalhadores é sobre o caráter salarial ou indenizatório dos “bônus” pagos pelas empresas, principalmente, as multinacionais.
Primeiramente, vale esclarecer que a remuneração de um empregado é definida pela soma do salário contratualmente estipulado, com outros “benefícios” e complementos recebidos pelo trabalhador durante a vigência do contrato de trabalho, como horas extras, adicional noturno, comissões, gratificações, bônus e gorjetas.
Nesse sentido, a remuneração indica a totalidade dos ganhos do empregado decorrentes do vínculo empregatício, em forma de contraprestação pelo trabalho prestado pelo empregado. É necessário pontuar que o critério primordial para a classificação de uma parcela como remuneratória está intrinsecamente ligada à contraprestação pelo serviço prestado pelo empregado e seu caráter habitual.
O legislador, ao redigir a letra da lei, ateve-se a dois pontos, sendo o primeiro no que pertine à contraprestação pelo trabalho prestado e o segundo ao valor recebido para possibilitar que o trabalho ocorresse. Entretanto, não se pode perder de vista que o pagamento das parcelas remuneratórias feitas com habitualidade, sem sombra de dúvidas, apresenta cunho salarial.
Assim, quando um benefício é essencial para a efetivação específica e esporádica do trabalho, ele não é incorporado ao salário; enquanto aqueles valores reconhecidos ao trabalhador, que surgem como um pagamento de cunho habitual pelo serviço desempenhado, deve ser integrado à remuneração, acarretando a consequente incidência de encargos trabalhistas e previdenciários.
Vale ressaltar que a habitualidade mencionada aqui não se limita necessariamente a um intervalo mensal, mas se refere à expectativa racional do empregado de receber regularmente essa remuneração adicional, conforme seu desempenho.
Noutro ponto, a CLT, em seu §2º do art. 457, delimita uma série de importâncias que, mesmo que pagas de forma habitual, são exceções à regra acima descrita. Portanto, não integram a remuneração do empregado, quais sejam, a ajuda de custo, o auxílio-alimentação, as diárias para viagem, prêmios e abonos, desde que sejam pagas da forma correta e seguindo as características genuínas que foram criadas, sem fraude à lei trabalhista.
A justificativa para essa não integração das parcelas acima enumeradas ao salário do empregado reside no fato de que esses direitos trabalhistas são fornecidos para que possibilitem o exercício das atividades laborais pelo empregado, não se enquadrando, desse modo, como parte da remuneração para efeitos legais, não sendo algo de cunho salarial.
Chama a atenção a necessária reflexão sobre as parcelas “prêmio” e “bônus”, dentro de um contrato-realidade.
O prêmio se configura como uma liberalidade concedida pelo empregador em virtude de um desempenho superior ao esperado pela empresa do seu empregado, caracterizando-se como um ato discricionário e não vinculado a um padrão ou meta previamente estabelecidos – algo não habitual, esporádico, sem caráter salarial. O bônus, por sua vez, constitui um pagamento feito ao empregado por ter alcançado uma meta previamente estipulada, denotando, assim, uma expectativa clara de recebimento, mas também não provida de habitualidade.
Quando são estabelecidas políticas de bonificação com metas definidas, prazo e valor acordados, o empregado é motivado a buscar o cumprimento dessas metas. Sabendo que receberá uma contraprestação pelo alcance desse objetivo, sempre com uma natureza retributiva, refletindo um padrão de desempenho previsível, o empregado se desempenhará sob os termos estipulados, na intenção de auferir o bônus e a expectativa racional de pagamento.
De maneira oposta ao bônus, o prêmio é uma liberalidade. O empregado não tem qualquer expectativa de recebê-lo, uma vez que sua concessão fica a critério do empregador. Assim, caso o empregado supere as expectativas e alcance um desempenho superior ao esperado, poderá receber uma premiação, a critério do empregador, sem que exista, por parte do empregado, uma expectativa clara ou contrato pré-estabelecido nesse sentido.
Uma vez posto à lume os conceitos de bônus e prêmio, é imprescindível reforçar o conceito de salário, que é um pagamento periódico e contínuo efetuado pelo empregador ao empregado, cuja continuidade estabelece uma expectativa vital para que o trabalhador possa cumprir suas obrigações financeiras. Ele é algo essencial ao planejamento financeiro do empregado, uma vez que este conta com o seu recebimento na data acordada, tornando-se um meio indispensável para a subsistência.
Da mesma forma, os bônus são concedidos em virtude do cumprimento de metas previamente definidas e acordadas, com os termos que estabelecem o montante remuneratório resultante desse desempenho, diferente do prêmio. Portanto, tais bônus são concedidos com periodicidade, gerando uma expectativa legítima em relação ao seu pagamento, uma vez que, ao alcançar as metas, o trabalhador pode razoavelmente antecipar o recebimento do bônus.
Por conseguinte, o bônus possui natureza salarial de caráter retributivo, e não indenizatório. Ele é uma forma de recompensar o empregado pelo seu esforço e contribuição para a empresa. Dessa forma, possui um caráter estritamente retributivo e motivacional.
Em contraste, as indenizações têm o escopo de compensar perdas e danos. O pagamento de bônus não está vinculado a uma obrigação legal ou a uma situação de quebra de contrato, mas sim ao estímulo do desempenho e à recompensa pelo alcance de metas, evidenciando sua natureza retributiva e não indenizatória.
Nesse contexto, é imperativo observar que a noção de rendimentos de natureza salarial não se restringe ao salário contratual estipulado, mas se estende a todas as parcelas percebidas, independentemente de sua denominação, quando estas compõem uma parte substancial e periódica de sua remuneração, principalmente quando se há a previsão de recebê-las, mormente diante do seu desempenho com habitualidade.
Muitas empresas, principalmente as multinacionais, adotam em suas negociações salariais com empregados que ganham remunerações em valores mais consideráveis o pagamento de bônus, entretanto, de uma forma desvirtuada, fugindo dos conceitos legais e próprios, utilizando essa parcela de cunho salarial como indenizatórios, esquivando-se do pagamento escorreito ao trabalhador, sonegando impostos e cerceando os direitos do trabalhador ao percebimento do que lhe é genuinamente devido.
Por fim, é possível observar que a habitualidade, a expectativa de recebimento e a clareza das metas previamente estabelecidas criam uma base sólida para a atribuição da natureza salarial ao bônus, que não pode ter seu conceito original descaracterizado para fraudar as leis trabalhistas em prejuízo ao trabalhador.
Artigo publicado na Revista Exclusive em novembro/2023
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