Notas sobre os direitos trabalhistas da comunidade LGBTQIAP+: o uso do nome social para pessoas transgêneros, transsexuais e travestis no ambiente de trabalho
Segundo o Código Civil, toda pessoa tem direito a um nome.
É através do nome que um indivíduo se apresenta e se representa perante a sociedade, influenciado a forma como se vê e é visto. Ele é, portanto, um direito à personalidade essencial para dignidade e integridade da pessoa humana.
Para as pessoas transgênero, transsexuais e travestis, o direito ao nome se desmembra no direito ao nome social, que é a forma pela qual o indivíduo prefere ser chamado, correspondente a sua identidade de gênero.
Identidade de gênero, por sua vez, envolve a percepção de gênero que cada pessoa tem, podendo ou não estar vinculada ao sexo biológico. Trata-se, portanto, da maneira pela qual um indivíduo deseja se expressar dentro de um gênero (pela aparência, vestimenta, comportamentos etc.). Ou seja, o nome social é essencial para garantir a identidade de gênero de pessoas transgênero, transsexuais e travestis, sendo parte fundamental de uma vida digna.
Nesse sentido, não há dúvidas de que em todos os espaços ou contextos em que pessoas trans estejam inseridas, seu nome social deverá ser respeitado.
Contudo, em que pese o dever ora mencionado, ante a ausência de disposição legal expressa sobre o tema, surgem muitas dúvidas acerca da possibilidade de utilização do nome social no ambiente do trabalho. Além disso, em muitos casos, ele é desrespeitado ou é impedido de ser utilizado, o que faz com que as pessoas transgênero, travestis e transexuais busquem seus direitos na Justiça do Trabalho.
Acerca do tema, apesar de não haver expressamente um dispositivo legal que garanta a utilização do nome social no trabalho, existem diversos instrumentos internacionais e nacionais, bem como disposições legais, decisões e orientações correlatas à proteção do direito ao nome, mais especificamente do nome social.
Dentre os instrumentos internacionais temos, primeiramente, os “Princípios Yogyakarta”, condensados em um documento que elenca inúmeras diretrizes da aplicação dos direitos humanos no que se refere a identidade de gênero e à orientação sexual, inclusive o Direito ao Trabalho. Ato contínuo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Parecer Consultivo nº 24/17 se manifestou com relação aos direitos das pessoas LGBTQIAP+, bem como ao direito à identidade de gênero e ao nome. Esses são apenas alguns dos exemplos de normas internacionais que asseguram os direitos dessa comunidade.
No âmbito nacional, o uso do nome social está intrinsicamente atrelado à dignidade da pessoa humana, à proibição da discriminação, à igualdade e diversos outros direitos da personalidade, como por exemplo a integridade física, moral e psíquica. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a possibilidade de alteração de nome e de gênero no registro civil, mesmo sem a cirurgia de redesignação (ADI 475). Além disso, nessa mesma Corte, está sendo discutida a possibilidade de alguém ser tratado socialmente pelo sexo com o qual se identifica (RE 845.779 – Tema 778).
Na seara trabalhista, por sua vez, a luta contra a discriminação do ambiente do trabalho é algo que tem bastante relevância. Nesse sentido, a Lei nº 9.029/1995 proíbe a adoção de práticas discriminatórias e limitativas para o acesso da relação de trabalho ou para sua prevalência, em razão de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros. Logo, da interpretação da referida lei, é possível afirmar que a discriminação em razão da identidade de gênero também é vedada.
Outrossim, não são incomuns na justiça do trabalho ações que versam sobre a utilização do nome social no ambiente de trabalho. Recentemente, inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), condenou uma empresa a indenizar uma empregada transgênero que foi proibida de utilizar o banheiro feminino e teve seu direito ao uso do nome social obstado. Na decisão são mencionadas diversas questões relevantes no que diz respeito à necessidade de se assegurar o direito ao nome social para pessoas transgênero, transsexuais e travestis no ambiente de trabalho.
Além disso, o Ministério Público do Trabalho – MPT emitiu uma nota técnica (02/2020) com a finalidade de orientar a atuação dos membros da referida instituição na atuação para defesa dos direitos da população LGBTQIAP+. No documento, consta como orientação para que os membros do MPT recomendem aos empregadores e sindicatos a utilização do nome social das pessoas transgêneros, travestis e transexuais no ambiente de trabalho nas mais diversas formas (crachás, e-mail’s, cadastros, eventos, etc.).
Logo, embora não exista uma disposição legal expressa e específica acerca do direito de pessoas transgênero, transexuais e travestis no ambiente do trabalho, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro, pela interpretação e observância de instrumentos internacionais, direitos fundamentais e a legislação pátria vigente, já vem consolidando o entendimento de que o nome social de pessoas trans deve ser observado em todos os âmbitos da vida, inclusive no trabalho. Trata-se, portanto, de assegurar a dignidade, a igualdade e a integridade das pessoas pertencentes a essa comunidade, de forma com que elas sejam tratadas e percebidas no gênero pelo qual elas se identificam.
Dessa forma, é plenamente possível a utilização do nome social no ambiente do trabalho, de forma a promover a dignidade e assegurar a expressão da identidade de gênero dos empregados trans, bem como evitar práticas discriminatórias que ensejem em ações trabalhistas.
Por isso, tanto empregadores, como empregados devem se atentar para essa questão, de forma a observar e respeitar o direito a utilização do nome social, pois trata-se de tema extremamente sensível, que diz respeito a algo emocional e simbólico da identidade de alguém.
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