A sustentabilidade intrínseca aos povos originários, uma análise a partir da perspectiva internacional
Os povos originários, também conhecidos como indígenas, possuem uma relação muito peculiar com as terras que ocupam, diferenciando da forma como os não indígenas se relacionam com suas terras e, consequentemente, com a natureza. Essa compatibilidade dos indígenas com a terra é considerada uma relação sustentável e, para realizar tal afirmação, num primeiro momento, é necessário compreender o real significado de sustentabilidade.
O termo sustentabilidade foi cunhado em 1987, durante a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também chamada de Comissão Brundtland. Durante a realização dessa comissão, criou-se o conceito de desenvolvimento sustentável a partir da perspectiva de necessidade de Estados e empresas se atentar às questões sociais, ambientais e econômicas. É importante ressaltar a obrigatoriedade da presença dessas três questões de forma simultânea, para que assim seja possível considerar desenvolvimento sustentável.
Compreendido o conceito de desenvolvimento sustentável, será elencado um documento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (F.A.O) e uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que confirmam a sustentabilidade indígena. Começando pelo julgado da CIDH, denominado de caso dos povos Kalinã y Lokono VS. Suriname, de novembro de 2015. A Corte já havia, anteriormente ao litígio, reconhecido a demarcação da terra dessa comunidade, condenando o Suriname em uma outra sentença a realizar essa demarcação.
Mediante tal situação, o conflito se deu na intenção do Suriname em construir três reservas naturais, que se sobrepunham às terras anteriormente demarcadas. Logo, em um primeiro momento, a atitude do Estado em delimitar tais reservas se demonstrava benéfica à preservação ambiental, visto que nestas não seria permitido realizar nenhum tipo de atividade extrativista, caça e pesca. Ora, tais atividades enquadravam basicamente no modo de vida do povo Kalinã y Lokono, assim estes bloqueios interfeririam diretamente, de forma negativa, na sobrevivência desses povos.
Mediante tal interferência, a comunidade seria privada de realizar extração vegetal de ervas medicinais, pescar/caçar animais findados a sua subsistência e não poderia visitar locais sagrados para a sua cultura. Assim, a CIDH entendeu que existe uma compatibilidade de preservação ambiental entre a vontade de preservação do Suriname e a forma como os indígenas vivem. Essa sinergia é justificada pelo fato da relação harmoniosa dos indígenas com a natureza, gerando um menor impacto ambiental, visto que estes estariam há muitos anos nestas terras e não realizaram nenhum tipo de exploração predatória.
O outro documento que reafirma essa relação sustentável é um estudo realizado pela F.A.O em 2021, elencando seis fatores que reafirmam essa característica sustentável, intrínseca dos indígenas. Estes fatores são: o cultural e fatores de conhecimento tradicional; reconhecimento de direitos a territórios coletivos; políticas de incentivo florestal; uso restrito da terra; acessibilidade limitada e baixa rentabilidade agrícola; acesso limitado ao capital do trabalho.
O primeiro fator diz respeito aos sistemas produtivos não prejudiciais que estes povos utilizam, diminuindo as chances da adoção de maquinários agroquímicos durante as atividades de cultivo. Vale ressaltar que os costumes utilizados por seus ancestrais são repassados de geração em geração, mantendo a relação menos danosa ao meio ambiente. O segundo ponto se resume na demarcação das terras indígenas, impedindo então que agentes intencionados em realizar uma exploração massificada desmatem as florestas estabelecidas nessas terras.
Os incentivos florestais mediante políticas públicas são o terceiro ponto, sendo investimentos realizados pelos Estados em oferecer benefícios pecuniários para que se mantenha aquela floresta de pé. Esses incentivos podem ser considerados como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que se enquadra diretamente com as proteções florestais.
O quarto fator se assemelha em partes com o segundo, porém este diz respeito a sobreposições de áreas estabelecidas para preservação com as terras indígenas demarcadas. Logo, quando esse fator é elencado no documento da F.A.O, demonstra que as vegetações existentes em terras indígenas são mais preservadas do que em outras terras. Outra observação sobre essa sobreposição de terras é a identificação de um duplo grau de proteção ambiental sobre a vegetação que ali se estabelecerá.
O penúltimo e o último tópicos são bastante semelhantes, visto que ambos tratam sobre questões econômicas. De forma que o penúltimo identifica a baixa rentabilidade agrícola, ou seja, não produzindo em larga escala e, assim, não é necessário o desmatamento em massa para um plantio exacerbado. O último diz respeito ao acesso de capital limitado capaz de desflorestar uma grande área, em geral impedindo a aquisição de maquinários pesados para realização dessas atividades.
Dito isso, por meio desses dois casos, é possível verificar a forma sustentável presente no modo de vida dos povos originários, visto que os aspectos ambientais, sociais e econômicos foram abarcados. Claro que existem outros documentos que realizam essa comprovação, porém esses dois exemplos abarcam uma variedade de informações capazes de comprovar essa afirmativa.
Artigo publicado na Revista Exclusive em agosto/2023
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