Limitações ao processo judicial para homologação de acordos extrajudiciais no âmbito da justiça do trabalho
Com o advento da Lei 13.467/2017, que incorporou a chamada Reforma Trabalhista, passou-se a ser previsto na CLT um procedimento de jurisdição voluntária para Homologação de Acordo Extrajudicial no âmbito da Justiça do Trabalho. O referido procedimento se encontra disposto no Art. 855-B e seguintes da CLT, facultando às partes, de comum acordo, provocarem o Judiciário para a homologação de transação realizada extrajudicialmente.
Contudo, o procedimento de jurisdição voluntária inserido no processo do trabalho, apesar de trazer segurança jurídica às partes no que se refere à validade da transação quando homologada, desperta preocupação quanto à forma de sua utilização, uma vez que tal procedimento pode servir como instrumento de fraude e de violação aos direitos trabalhistas. Nesse contexto, importante estabelecer limites à utilização do procedimento de jurisdição voluntária no processo do trabalho para que cumpra sua função social, evitando-se que esse seja utilizado como instrumento de fraude e de violação aos direitos trabalhistas.
Após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, passou a ser facultado às partes, por iniciativa conjunta e de comum acordo, provocarem o Judiciário para homologação de acordo extrajudicial no âmbito da Justiça do Trabalho, conforme disposto no novo Capítulo III-A do Título X da CLT, formado pelos Arts. 855-B, 855-C, 855-D e 855-E. Em apertada síntese, os referidos dispositivos estabelecem que o processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, com assistência obrigatória de advogado (Art. 855-B da CLT), o qual não pode ser comum às partes (Art. 855-B, § 1º, da CLT), facultando ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria (Art. 855-B, § 2º, da CLT), e sendo esclarecido no texto legal que o procedimento não prejudica o prazo para pagamento das verbas rescisórias fixado no § 6o do Art. 477 da CLT, bem como não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o do Art. 477 também da CLT.
Dispõe ainda que, no prazo de 15 dias, a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência, se entender necessário, e proferirá sentença homologando, ou não, a transação (Art. 855-D da CLT), ressaltando que o protocolo da petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o fluxo do prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados (Art. 855-E da CLT), o qual volta a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo (Art. 855-E, parágrafo único, da CLT).
A intenção do legislador foi trazer expressamente para a lei a previsão de uma sistemática de homologação judicial das rescisões trabalhistas, almejando trazer segurança jurídica para os instrumentos rescisórios e reduzir, consequentemente, o número de ações trabalhistas e o custo judicial. Veja que o propósito do legislador, ao dispor que a referida alteração legislativa almeja a redução do número de ações trabalhistas, era autorizar que a homologação judicial das rescisões trabalhistas dessem quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, transformando a Justiça do Trabalho em um mero órgão cartorário homologador irrestrito de rescisões de contrato de trabalho e escancarando as suas portas para fraudes trabalhistas.
Entretanto, e para o bem da Justiça do Trabalho, tem-se que o procedimento instituído pelo legislador se revela completamente contraditório com o seu propósito, ao dispor expressamente no Art. 855-E da CLT que o ajuizamento do processo de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. Ora, se o ajuizamento do processo de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação somente quanto aos direitos nela especificados, obviamente, a quitação somente pode abranger os direitos especificamente discriminados na petição de acordo, por título e por valores, o que seria, inclusive, uma alusão à Súmula 330 do TST.
Dessa forma, o Art. 855-E da CLT não deixa dúvida de que o acordo extrajudicial homologado judicialmente dará quitação apenas aos direitos especificados na petição do acordo levada à homologação, até porque, nos termos do § 2º do Art. 477 da CLT, cuja a redação foi mantida incólume pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), “o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas”.
Consequentemente, em razão do entendimento acima disposto, tem-se que a ausência de apresentação discriminada das parcelas objeto da transação na petição de acordo inviabiliza a sua homologação judicial, a qual deve se pautar na verificação da legalidade da transação. Pertinente ressaltar ainda, nesse ponto, que o juiz do Trabalho deve se atentar igualmente para a natureza das parcelas objeto do acordo, evitando a evasão fiscal nesses casos. Outrossim, verifica-se que o procedimento previsto no Art. 855-B e seguintes da CLT também se mostra contraditório com o seu propósito, ao partir do princípio de que partes (empregado e empregador) são livres para transacionar e realizar acordos, mas, a contrario sensu, exigir que o resultado da negociação seja levado ao Judiciário para homologação.
Conforme consabido, os direitos considerados absolutamente indisponíveis, direitos da personalidade, direitos que visem garantir um padrão civilizatório mínimo do trabalhador, bem como questões de interesse público, não podem ser objeto de renúncia ou transação (nem mesmo pelo próprio trabalhador). Nesse contexto, o juiz do Trabalho assume um papel de protagonismo no processo de homologação de acordo extrajudicial na tutela dos direitos dos trabalhadores. Assim, ressaltando a facultatividade do magistrado em homologar ou não o acordo extrajudicial, deve o juiz do Trabalho utilizar de todos os meios para verificar a legalidade dos acordos levados à sua apreciação, principalmente no que se refere à intransigibilidade dos direitos de indisponibilidade absoluta, como são, via de regra, a maioria dos direitos trabalhistas.
Por esse motivo, mostra-se imprescindível que o magistrado se valha do disposto no Art. 855-D da CLT e designe audiência para a oitiva das partes, as quais devem ratificar perante o juiz do Trabalho os termos do acordo extrajudicial firmado, evitando, assim, eventuais fraudes e lides simuladas. Seguindo essa linha de raciocínio, a fim de possibilitar que o juiz do Trabalho, em jurisdição voluntária, examine adequadamente o fato concreto, evitando a homologação de transações simuladas e fraudulentas (que impliquem em renúncia de direitos indisponíveis). Certo é que, para aferição da legalidade do acordo firmado, as partes apresentem, na petição de acordo, o contexto fático da relação de trabalho ou de emprego firmada, instrumentalizando o processo com alguns documentos básicos, tais como a cópia da CTPS, a Ficha de Registro de Empregado (se houver), os contracheques, recibos de férias, o extrato analítico do FGTS, entre outros documentos que possam contribuir para a análise precisa da relação jurídica havida entre as partes.
Lado outro, como forma de precaução para se evitar o conluio (lides simuladas) ou a fraude nos acordos extrajudiciais, reputamos que seja obrigatória a assinatura da petição de acordo pelos advogados e, principalmente, também pelas partes. Finalizando, importante consignar a impossibilidade de homologação de acordos que impliquem em renúncia de direitos de indisponibilidade absoluta, bem como a vedação de homologação de acordos extrajudiciais com quitação ampla e irrestrita do contrato de trabalho, devendo se admitir, portanto, apenas a quitação do termo de rescisão contratual por título e por valores ali consignados, devendo ser observadas:
a) Obrigatoriedade de apresentação, na petição de acordo, do contexto fático da relação de trabalho ou de emprego firmada, instrumentalizando o processo com alguns documentos básicos, tais como a cópia da CTPS, a Ficha de Registro de Empregado (se houver), os contracheques, recibos de férias, o extrato analítico do FGTS, entre outros documentos que possam contribuir para a análise precisa da relação jurídica havida entre as partes;
b) Obrigatoriedade de apresentação discriminada, pelas partes, das parcelas objeto da transação na petição de acordo, por título e por valores;
c) Obrigatoriedade de assinatura da petição de acordo pelos advogados e também das partes, como forma de precaução, para se evitar o conluio ou a fraude nos acordos extrajudiciais;
d) Imprescindibilidade de designação de audiência para a oitiva das partes, as quais devem ratificar perante o juiz do Trabalho os termos do acordo extrajudicial firmado, por ser mais uma forma também de se evitar as lides simuladas;
e) Obrigatoriedade de intimação do Ministério Público do Trabalho, a fim de que este atue como custos legis nos referidos processos, fiscalizando o cumprimento da legislação trabalhista.
Artigo publicado na Revista Exclusive em abril/2023
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